segunda-feira, 30 de março de 2009

ÁRVORE DA INDEFINIÇÃO



imagem de Isabel Lassuta Monteverde


Se estremeço em cor de papoila
e afogo esse rubor no silêncio,
Se te sinto astro
e te enraízo no chão,
Se soletro as cores das tuas palavras
e as escondo no escuro do castanho,
Se adormeço no clarão dos teus olhos
e com medo hipnotizo os sonhos,
Se quero as tuas mãos entre as minhas
e logo domo a pressa de as afagar,
Se me liberto de preconceitos
e se depois emudeço,
Se sorrio ao azul da tua cor
e a sopro nas velas do vento,
Se suspiro no mel dos teus gestos
e prescrevo silêncio no coração,
Se ateio o sabor dos beijos
e os acomodo nos galhos das árvores,
Diz-me tu que sabes que existo
se isto é amor ou não.

MV


quarta-feira, 25 de março de 2009

"DESBORBOTAR"



O tempo! O implacável tempo! Desta vez a “borbotar”


A deixar borboto áspero naquela blusa... Lembras-te?

A blusa que inventei para contigo me ir encontrar?

Já tem borboto no esboço dos meus seios

pelo roçar descuidado dos braços

à procura do rosto em que não adormeço.


Ondas ferozes são borbotos do mar...

recuam sem pressa o fluir do meu navegar.


Borbotos no céu... são trovões a ribombar no peito

a quebrar as lianas com que entranço o meu delirar.


Borbotos nas páginas dos livros...

Vendam-me e desfocam-me o olhar

negam-me o sentido verdadeiro

das palavras que não sei decifrar.


Borbotos...

Tropeços no ressoar das emoções

guardadas em desalinho na alma

tão cheia de recordações!


Minas recônditas no peito

que as mãos não conseguem desactivar.


“Desborbotar” ... um malabarismo a inventar!


MV



Deixo a "lapela" aberta para todos poderem levar os 3 prémios que me chegaram de Isabel, do blogue ARTISTA MALDITO - http://imonteverde.blogspot.com.


quarta-feira, 18 de março de 2009

VELHO




Fim de tarde!
Soltam-se tons. Cheiros. Cores.

O velho sentado em assentos de solidão
recolhe pedaços de vida
e bebe pelos olhos já minguados
a força anímica da Primavera.
Rema alegrias no cantar das aves
e com as mãos a tremer
retoma rotas esquecidas na memória.
Debica odores derramados pelas flores
e com os dedos a crescer
constrói dicionários de sabor a mel.
Recolhe cores espargidas pela brisa
e com o peito a pulsar
embriaga-se de palavras de esperança.

O velho, ao fim da tarde
sentado nas vidraças das lembranças
nidifica sonhos nos beirais da Primavera
saciando, por instantes, fomes da VIDA.

MV


sexta-feira, 13 de março de 2009

FREIO



Solta-se o freio do triângulo desenhado
marcado dentro de mim.
Declina a calma e o repouso dos sentimentos.

Ponho-me a caminhar.
E corro na margem duma imensa várzea de sentidos.
Imiscuem-se no peito
roçam-me a pele
perpassam-me as mãos
correm de rédea solta pelo espaço.
Esse espaço que não é meu!

Sob miríades de estrelas espero o tempo.
Tempo de aprisionar os sentidos
ou tempo de os manter sem a rédea.

De vez em quando cai a chuva cá dentro.
Abre veredas e caminhos...


MV


sábado, 7 de março de 2009

ASSASSINATO




Horas!

Em ritmos repetidos, impiedosos

medem o compasso do tempo

como se o tempo tivesse tamanho!

E o tempo mede a vida

como se a vida se pudesse medir!


Horas! Medidas loucas!

Desregulam-me as funções vitais da alma.

Quero matá-las! Matar as horas!

Sempre que a noite se apeia

chamam pelo meu corpo

gritam se as não oiço

e levam com elas os sonhos diurnos.

Adormeço cansada de as repudiar.

E o sonho volta a acontecer!

Mas inda a luz da manhã se não tem levantado

e já as horas me gritam outra vez.

Acordam-me dos sonhos desenhados

em amor sem rédeas.

E assim não tenho tempo para sonhar.

E se insisto no sonho

logo as horas vêm, como brocas

perfurar o que sonhei no peito.

Canso-me!

E tento matar as horas

obrigando-as a sair do relógio.

Sufocam. Ficam roxas.

Como me rio delas!

Emano faíscas do olhar enraivecido

e vejo-as gemer!

Largo-as em águas agitadas, envenenadas.

Empalidecem!...

É então que rio muito sofregamente.

Afoguei-as num acto de prazer!

Já não há horas!

Já posso ser vento a sonhar o teu rosto!

De dia e de noite!

Já posso escrever o meu “poema”

sem ter o chicote das horas a bater.


Matei as horas, sim,

para que elas não me matassem a mim.


MV