sábado, 27 de novembro de 2010

VOCAÇÃO


Procuro a razão
de tão vincada vocação.

Escolho sempre vidros opacos
ou a margem do rio
onde não há multidão.

Modelo mil razões
e nenhuma me responde.
Uma encomenda recolhida à nascença
ou hábitos pespontados no tempo?

Das mil razões
que faço e desfaço
há-de haver uma
que me faz ser
coração tão isolado.

MV

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

MESMO ASSIM


Um verso de água
brotava da neblina inflamada.
Sôfrego
bebia o azul do mar
até lhe sobrar apenas o incolor.

Os olhos sabiam do abismo do mar
e sabiam do delírio do verso
que voava rente  à fluidez da espuma.
Sabiam ainda que o azul não ressuscitava.

Mesmo assim
entre línguas de areia
o verso surpreendeu os lábios
num beijo de cristal.

E o verso naufragou.

MV

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

DE REPENTE


Outra vez sentada no jardim
de cotovelos apoiados
no parapeito do meu silêncio.

Sinto as raízes da inquietude a habitarem-me.
A espremerem-me em dentadas.

No lago, sob os velhos chorões
o cisne coça-se debaixo da asas.
Sacode as penas, sacode o ar.

Fragrâncias alastram em liberdade.

E de repente…

afasta-se a inquietude que me povoa
segue a excitação dos pássaros
afinca-se nas copas das árvores
e, cheia de sono, adormece
enquanto o café que bebo,
me fala baixinho de pétalas de ti.

MV


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

FALSIDADE



Caíram pérolas das tuas gargalhadas.

Não sei porque é que às noites,
não sucedem sempre os dias. Fica tão escuro!
E eu enrolada em breu.

Não sei porque é que a lua se encolhe tanto
e não deixa passar os pontos cardeais.
E eu tão perdida!

Não sei porque é que o céu se abre em chuva
e piso torrões tão duros.
E eu com gretas cá dentro!

Não sei porque é que a terra engravida de tanto húmus
e os cardos não medram.
Tenho o  pensamento paraplégico!

Mais uma pérola caiu da tua gargalhada.
Gentil, terna, mansa?
Não. 
Pérfida, 
madrasta,
dissimulada!

 Mas claro que tens razão.
Não sei nada. Ou sei?
Sei que caíram pérolas falsas das tuas gargalhadas.

MV