sábado, 28 de fevereiro de 2009

SOU MÃOS




Sou mãos.
Talho círculos e aprisiono sentires
para me conhecer ou martirizar
Ou desenho traços rectilíneos
onde desprendo sentimentos a caminhar.

Sou mãos.
Enconcho-as e recolho lágrimas
brotados de estados de melancolia
Ou fabrico gotas de orvalho
onde lavo fúrias disformes.

Sou mãos.
Cumpro ordens do coração
e espremo frutos em lábios sedentos
Ou cumpro ordens da razão
e aprisiono doces memórias
em estátuas de matéria indefinida.

Sou mãos.
Atiço matéria vulcânica
e queimo solos e desbravo caminhos
por onde flui a lava das veias
Ou mato margens de rios
e desnudo-as de qualquer geometria.

Sou mãos.
Rompo as grades das jaulas
e desenho voos periclitantes
Ou toco o ar e toco a terra
em malabarismos de cavalo selvagem.

Sou mãos.
Remo palavras contra a corrente
e afundo o perfume do meu delírio
Ou remo a favor do vento
e embriago a mentira da minha verdade.

Sou mãos.
Amarro-as em poeira de tempo
e perscruto-lhes as linhas, a sina da vida
Ou solto-as e viro-as do avesso
e escrevo apenas que sou mãos.

MV


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

ESTOU CONFLITUOSA




Estou conflituosa.


Ceifo sentimentos

com a alma e com os olhos.

Liberto-os em ventos e brisas

ou acorrento-os na alma.

Ressoam alto no peito

logo que a noite se abre.


É manhã. Estou conflituosa.


Liberto os despojos da insónia nocturna

amontoo-os em palavras

que escrevo nas folhas da poesia.


Passam os dias. Estou conflituosa.


Pressinto a agonia dos meus poemas

quando, rastejando na luz que me acena,

os componho apenas

com o restolho deixado pelas mãos.


Não sei que fazer. Estou conflituosa.


Ceifo sentimentos

e os pardais agradecem como loucos.

Escrevo-os.

E sinto as mãos a mutilar a poesia

que rasteja estéril no papel.


MV



sábado, 14 de fevereiro de 2009

DÚVIDAS




Rosas rubras de Maio
ou caules em rebentação?

Searas embrionárias
ou espigas e pão?

Sol e luz
ou escuro nas mãos?

Giestas, cardos, estevas
ou aves de migração?

Sol e lua no céu
ou astros caídos no chão?

Granito e basalto
ou areias varridas pelo suão?

Razão presente
ou poligamia de coração?

Dúvidas no fio da navalha.
Urge arredondar...
por excesso
ou por defeito?


MV


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

TRANSPARÊNCIA





Almas arranhadas.

Nuas. Diáfanas.

Deslizam sucos atados às recordações

em fendas sem geometria,

dissimuladas na terra lavrada.

Texturas alisadas

com as mãos em contradição.

Desejos desenhados

em litografias desnudadas.

Transparência

em floração de sobressalto

surpreendendo o silêncio.


MV



domingo, 1 de fevereiro de 2009

BEIJO INCAUTO





Linha a linha, ponto a ponto,

com as mãos a florescer

teço rendas de fogo

enquanto o navio zarpa a trote

em rasgos de águas rubras.

No amolecimento da tarde

assomo-me ao rosto do mar,

vejo-te sombra maga e framboesa

solto sentimentos em voz rouca e refreada.

Atiro beijos ao vento

misturam-se, enlaçam-se

pintando o ar de desejo incauto.

Apagam a bonança da tarde

enquanto gaivotas

se atam no céu em lilases brancos

e tombam rosas vermelhas

nestas horas feitas de volúpias ardentes.


Prostrei-me num beijo incauto

e caí fora do tempo!


MV