domingo, 30 de novembro de 2008

PINTORA


Alma melancólica a guardar o céu e o mar
Manhã azul em acordes de emoção
Olhos fugidios perdem-se na lonjura da água.
A tua boca abre-se em sorrisos de anémonas
as tuas mãos tocam marés cheias
o teu sorriso acalma o oceano irado
a tua voz soa ao timbre da gaivota
a tua pele são algas aveludadas
que o vento sopra no colo do mar
os teus passos são vagas em remoinho ameno.
Alma melancólica a guardar o céu e o mar
onde te desenhei com pincéis de marear.

MV

terça-feira, 25 de novembro de 2008

AS SEREIAS SÓ CANTAM EM SILÊNCIO


Ontem fui ilha. Ilha solitária

arquitectada no ermo da vida.

Rodeei-me de mar revolto

em tempestades e intempéries

calcinadas pelo tempo.


Enquanto tecia infinitos incertos

e olhava maresias sem nome

acedi a ser península.


E enquanto a solidão se foi esfumando

no canto das sereias que me possuíram,

fui ficando ligada por sendas

onde deslizei sentimentos em constante agitação.


E com as mãos em flor

linha a linha, ponto a ponto

teci rendas de palavras e poemas

sonhados em bolas de sabão.


Deixei de ser Ilha! Acedi a ser península!

Evacuei-me da solidão.

Mas hoje as sereias só cantam em silêncio.


MV

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

SOL LUA MAR


Nascia o fogo no céu

de tanto vermelho o pôr do sol se querer pintar

Atrás de mim desmaiava a tarde

de tanto branco a lua se querer mascarar.

O tempo corria, então sem pressa,

sob escassas nuvens

vogando em leito azul

sobrevoando ondas em canto afinado.

Recolho-me naquele quadro de tarde

e no silêncio da areia ausente de gente

elevo-me a cumes de montanhas

vivo, canto e rio sofregamente.


MV


PARA TI "NAS ASAS DE UM ANJO"


Retribuo o teu carinho e com muita ternura dedico-te este poema que escrevi num dia em que a lua se instalava no céu (por cima do areal ) e o sol se punha na linha do horizonte do mar.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

SOMBRA


Sombra que a mim se encosta
em turvos movimentos de flor vergada
na lágrima enfeitiçada que escorre
em face de palidez alimentada.

Sombra de Outonos indefinidos
em repouso no silêncio da mão
sombra de vagas esbatidas
pelo lápis, em punho, no coração.

Sombra do fogo em crepitação
página a página a desfolhar
sombra maga e quente do poema
onde o lápis se foi espreguiçar.

MV

terça-feira, 11 de novembro de 2008

HÁ TANTO TEMPO


Sentada à luz modorrenta
sob cachos de uvas inventados
eclodem a esta memória já cansada
laivos soltos, da ternura, esgueirados.

Voos de avezitas talhados a medo
asas em frémito sobressalto
rasgam o ar em perpendicular movimento
como voos que não faço há tanto tempo.

Um perfume sem marca
de roseiras vermelhas a florir
espalhado no ar morno da tarde
em palavras que deixaram de sorrir.

Seixos a rebolar polidos
no ventre da água do rio
carregam lembranças e saudades
daquele abraço forte e vadio.

Ramalhete atado com laços de candura
na união imperfeita de palavras em rebento
como os laços de amor e de ternura
desatados sem mãos há tanto tempo.

MV



domingo, 9 de novembro de 2008

VACILAÇÃO


Cansa-me o peso do corpo

sobre os passo vacilantes

dos dias opacos e densos

de tanta laranjeira sem flor.

Cansa-me o peso das mãos

a vacilar sobre o corpo cansado

de tantas palavras escrever

no rebentamento das vagas.

Cansa-me o peso das palavras

a vacilar sobre o papel

em sonhos que estrepitam na noite.

Cansa-me o peso dos sonhos

espalhados em golpes de vento

a vacilar sobre noites que renegam o luar.

Cansa-me o peso do vento

a vacilar sobre lágrimas acordadas

ditadas nas encostas dos rios

Cansa-me o peso das lágrimas

que pernoitam em mar revolto

a vacilar sobre a alvorada da serenidade.

Cansa-me o peso da vacilação.


MV


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

MÃOS CANSADAS


Cachos de folhas vindimadas pelo vento

misturadas em murmurejos inatingíveis

pintando o ar de amarelo-castanho.

Cada folha, uma vertigem, a carregar um sentimento.

Cansam-se. Falta-lhes o fôlego.

De macieza em punho, pousam no chão da terra.

Aconchegam-se na cama das outras já adormecidas.

E aí jazem sem vigor

finalmente desprendidas de qualquer sentimento

num destino traçado por linhas de ninguém.

E as minhas mãos cansadas de tanto cacho colherem!...


MV

sábado, 1 de novembro de 2008

O CANTAR DOS PARDAIS


Um vendaval de voz plangente

trouxe uma neblina densa de fuligem

cheia de cantares de pardais.

E não os vejo.

Não vejo o brilho do teu olhar.


Apoio os cotovelos mutilados

no parapeito da velha janela

vendo partir o sorriso da tuas mãos.

E não vejo o cantar dos pardais.


Alongo o olhar por entre a neblina

que me cega da cor e da fragrância

das flores que não me deste.

E não vejo o cantar dos pardais.


Perdeu-se o azul íntimo do céu

o anil arroxeado do poente do sol

o sabor perturbador das tuas palavras.

E não vejo o cantar dos pardais.


Não vejo nada.

É como se uma cortina preta

se desfraldasse pelas mãos do vento

tapasse o dia com manto negro

tapasse o meu olhar faminto de afago.


Sumiram-se as letras

do cantar terno dos pardais.


MV