domingo, 29 de maio de 2011

FAREI APENAS TUDO ISTO


Hoje levantei-me e fiz a cama.
Uma perfeição. Sacudi e estiquei os lençóis.
Até sacudi os tapetes e alinhei-os simetricamente.
Abri as gavetas e organizei roupas.
Não lhes deixei uma única prega.
Bem empilhadinhas. Nada fora do lugar.
Também pus a mesa com esmeradíssimo cuidado.
Toalha limpa a condizer com os pratos. Como eu gosto.
Hoje fiz tanto. Hoje não fiz nada.

Amanhã hei-de voltar a fazer a cama.
Hei-de sacudir os lençóis e
deixar sair tudo o que incomoda o coração.
Os tapetes, esses, vou sacudi-los
tirar-lhes as poeiras que ficaram dos sonhos.
E depois hei-de alinhar tudo o que sobrar.
Quanto às gavetas
hei-de misturar as peças de mangas compridas,
com as de mangas curtas e com as de cavas.
Hei-de fazer pilhas tão  desorganizadas
que arrepiarão os olhos de quem as possa ver.
Hei-de pôr a mesa, sim. Com uma toalha qualquer.
E em vez de lhe por pratos
hei-de pintá-la de lírios, de rosas e de papoilas
e saborear os cheiros que me crescerem nos olhos.
Amanhã não farei nada. Farei apenas tudo isto.

MV

sexta-feira, 6 de maio de 2011

TACTEAR-TE


Quis tactear-te
no princípio e no fim
do que não se via.
No imenso nublado da noite
encontrei olhos cegos
mãos paradas e mudas
vozes taciturnas
na recta das palavras.
Quis tactear-te
dentro da terra verde
e impenetrável
fora do espaço azul
onde não havia porta.
Quis tactear-te
por todo o lado
e não te encontrei.

MV