terça-feira, 25 de maio de 2010

VISÃO À LUZ DA MADRUGADA



A noite engole vozes cansadas.
Só permanece o trote da mulher
que voa as crinas desenhadas em aço.
Atravessa lodo breu e suja os lábios
inclinados em conspiração de silêncio.
Vira-se o vento nas veias,
enquanto conjuga outros verbos no poema.
De suor projectado em doces orvalhos
multiplica apelos suculentos a frutos
que espreitam em postigos iluminados.
Encolhendo o corpo entre minutos de lama
a mulher segue a trote e cresce
para a boca de uma nova madrugada.

MV

sexta-feira, 14 de maio de 2010

OPACIDADE



A tarde colhe sonhos
e o ribeiro desce fulminante.
Leva nas águas oculta a vaidade
e corre tão à pressa,
tão cego,
que não repara no poejo sedento
na margem do poema a secar.

Diz-me ribeiro
se tudo isto é apenas vaidade
ou se sob cada pedra que roças
escondes um poente aceso de verdade.

MV

sexta-feira, 7 de maio de 2010

LARANJA BRAVA DE MAIO



Limpa-me laranja brava de Maio
desta acne que me veste de inquietação.
Afia-te foice romba
que mascas a grama nascida nas mãos.
Enfurece-te vento
roça a terra, o rio, roça-me a pele,
tomba no leito fumo de incenso
e purifica os sonhos sem chão.

Que a uva não se tansforme
na embriaguez do vinho
Depressa os bagos se soltem
e sejam consumidos longe do meu caminho.

Se existe Deus
que Ele me ajude a jejuar
não de leite, pão ou carne
mas de palavras pressentidas em cada acordar.

MV