segunda-feira, 28 de março de 2011

CÍRCULOS DA NOITE


Quatro invernos de estátuas passados
enquanto as mãos rasgaram caminhos
talvez a cumprirem penitência.

No mistério das sombras
ela solta a língua:
lua lírio brisa
veleiro sonho.
Diz qualquer coisa.

O eco solta-se contra o tempo
morde-a e ri
ri até que as gargalhadas assustem os pássaros
e a levem enjeitada nas asas.

A lua nasce desassossegada
entoa brilhos desconcertantes
e o perigo rompe nas noites.

Deixa-se seduzir
nos círculos que a noite desenha.

A poesia exacerba-lhe os desejos das mãos
e depois corrompe-lhe a dureza da razão.

MV

quarta-feira, 16 de março de 2011

O MEDO NÃO DEIXA VIVER


Deixa sair das nuvens uma água
que te molhe a pele
e te abra os poros
para que deles saiam remorsos
do que ainda nem sequer fizeste.

Deixa passar a água do mar
sobretudo se ela vier em ondas
para te levar as incertezas
do que pode ou não acontecer amanhã.

Deixa atear o lume
e permite-lhe que queime o lacre do preconceito
que te fecha o coração.
O coração quer-se solto que nem ave de campo.

Deixa escancarar as portas da mansão
onde  te habituaste a cristalizar  receios
que te atacam, tal garras de fera.

Deixa rebolar nos seios
o desejo do beijo, da carícia, da língua.
Fecha os olhos se não queres ver,
mas deixa.

Deixa que o óbvio se torne não óbvio,
se isto ou aquilo ainda não aconteceu.

Deixa que tudo isto aconteça
e deixa que aconteça muito mais.

Deixa-te levar no voo do pardal,
mesmo que te canses
mesmo que adormeças.
O pardal voa sem medo
mesmo que tenha de suspender o  voo
ao aviso do espanta-pardais.
Acredita, será fugaz esse momento.

É que o medo não deixa viver.

MV

terça-feira, 8 de março de 2011

MULHER

Às vezes
a lua hipnotizada pela pulsação do mar
derrama tranquilidade sobre o chão.
Os corações ataviam-se de ternura
cruzam voos com precisão.
A boca engole a tristeza
em rolos imensos de saliva.
Os olhos então afagam a vida.

Às vezes
o ventre do pensamento pare ideias grotescas,
ignóbeis
turvas
iradas
desalentadas.
Atravessam a crosta do coração
revolvem o sangue
bombeiam atitudes irascíveis
como a ferocidade das ondas.
Os olhos então mordem a vida.

Sou sempre a mesma
e por isso proclamo:
sou fraca e sou forte
sou água e sou terra
assim o vento me empurre
para campos de tileiras
ou para machados de guerra.

MV