segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ADVERSIDADES


O Sol rompeu por entre as nuvens cinzentas

e as minhas lágrimas não secaram.


O poente do sol vestiu-se de framboesa

e a minha boca não se saciou.


Ofereceram-me pinturas em telas

só traziam paisagens vazias.


Caminhei nas vagas de um mar que cobicei

perderam-se-me os passos na espuma esbatida.


Sentei-me sob fios de lua ardente

apagou-se-me a luz do olhar.


Semeei o céu de rosas rubras

ficaram-me os espinhos nas mãos.


Desenhei palavras a régua e esquadro

os poemas não se formaram.


Sorri à vida em sorrisos largos,

ela devolveu-me lágrimas a fio.


Subi montanhas rumo ao céu

o vento arrastou-me para o sopé.


Teci o teu nome com fios de seda

devolveste-me letras de chita.


Mergulhei em conchas secretas

estavam vazias de pérolas.


Tocaram os sinos em dias de festa

ecoaram-me dobres em gemido.


Deitei as tuas palavras juntas às minhas

adormeceram sempre separadas.


Agarro, de punhos fechados, a amizade

junto-a à força da vida

e venço, assim, tanta adversidade!


MV

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O PRESENTE NÃO EXISTE


Alma encostada à sombra do tempo

num repouso de repasto amarelecido.

Contracções de dor e arremesso de pedras

em despedida do tempo que já passou.

Entrego o pensamento ao futuro

em infinitos ecos a rasgar a terra.

Que desça chuva intensa

e apague rastos do passado.

Que se dispa o frio

e se cubra de uma neblina de poeiras.

Que se acendam relâmpagos

em rasgos amnésicos cegando o passado.

Pouso as mãos no tempo que ainda não chegou

e empresto-lhes a voz em três versos:

O presente não existe!

Que venha o futuro!

Que venha o que havia antes do passado!


MV

terça-feira, 21 de outubro de 2008

BRINCAR COM A VIDA

Não sei se sei quem sou
nem disso tenho a certeza
vou brincar hoje com a vida
versejando à "antiga portuguesa".

Quero-me confessar hoje
a ti "Deus do Pensamento"
por não me conseguir libertar
de tanto sonhar a todo o momento.

Peço-te ajuda "Deus do Pensamento"
sonho com o que não devia
faço tudo o que tu quiseres
nem que seja rezar a Avé-Maria.

Cada manhã, cada levantar
debruço-me à janela da paixão
exiges logo tu "Deus do Pensamento"
que feche a janela do coração.

E assim ando por cheiros de tormento
ignorando o que hei-de fazer
obedeço ao "Deus do Pensamento"
ou deixo o doce sonho correr?

Fica no ar esta incerteza
com a minha alma em tormento
esperando que morram os sonhos
e me perdoe o "Deus do Pensamento".

MV

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ESTRADAS DE ARESTAS


Caminho. Vagueio.
Deambulo neste mundo redondo
por estradas de arestas.
Arestas paralelas onde pouso as mãos
e toco margens alinhadas
num espaço sem dimensão.
Arestas perpendiculares
onde invento e cruzo olhares
e teço destinos na arte dos teares.
Talvez um dia… as arestas paralelas
contrariem as leis da matemática
e se cruzem em linhas de tentação
juntando-se num ponto,
hoje, fora da minha imaginação.

MV

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

SEMEIO O SOL

Caíu de espasmo em espasmo

em golpes infringidos pelo vento

o verde da árvore que me erguia vertical.

Deitaram lágrimas as estrelas do céu

apagou-se a luz que tombava do luar

e que me afagava docemente o rosto.


O tempo, com tempo,

foi percorrendo equações circulares

sempre sem teorias de resolução.


Mas hoje…

alvoreceu a manhã como um mar indomável.


E é então que …

semeio o sol na seara da vida.

Ponho as mãos em fuga

de um combate sem aliados.

Sorvo néctares, muitos néctares de vigor.

Pego em flautas e violinos

combato moinhos de vento

e encho pautas musicais

de notas livres como a brisa.


MV

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

INACESSÍVEL


Altiva na sua verticalidade

desprendida dos olhos que a cobiçam

inerte no seio do vento

inacessível aos sentidos que a tocam,

não fala

não baila

não olha.

É ela, flor vertical!

De olhos cegos à luz que cai da lua

cobre-se de pétalas em pedra

e desperta enfadada

da cor agreste do silêncio.


MV

terça-feira, 7 de outubro de 2008

PROMESSA

Emprestei o corpo à noite
com promessas de mo restituir
à primeira luz da manhã.
Levou-o com vendas no olhar
por esquinas amotinadas de amantes
de olhos escondidos e intimidados.
Retirou-lhe os ponteiros do relógio
para as horas sucumbirem.
Inscreveu-lhe nas mão profecias
que prometiam rosas em sorriso
com que o corpo sempre se deitava.
Ao lusco-fusco da manhã
o corpo abotoou a noite ao dia
ficando a promessa por cumprir.

MV

domingo, 5 de outubro de 2008

RAIZES

Colo da terra.

Cemitério de raízes sem vigor.

Raízes abolorecidas

pelo tempo que não as nutriu

pelas palavras traçadas sem esboço

pelas navalhas que as penetraram

pelo amor que não as abalroou

pelas fresas que as gastaram

pelas reminiscências que as olvidaram

pela distância de vida que as apartou.

Raízes sem seiva

no colo da terra.


MV

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

BRISA AMANTE

Sobre as águas prateadas do rio Tejo
já com a noite estonteante
adormeci o pensamento
em sonhos de brisa amante.

Cruzaram os olhos as gaivotas
numa deambulação de água viajante
enquanto o rio escondia serenamente
os sonhos da brisa amante.

Os barquitos em deslize brando
numa rota de saudade viandante
carregavam, sem dor, na proa
os sonhos da brisa amante.

MV